Principalmente no meio médico, estamos muito acostumados a ouvir o termo “ataxia”. O mais interessante é que muitos profissionais desconhecem o que realmente essa palavra significa. Desse modo, considero de extrema relevância analisar sua origem e qual sua tradução clinica. Isso facilitará, inclusive para leigos, reconhecer com brevidade certas mazelas neuronais.
O termo “ataxia” vem do grego “sem ordem” e indica desequilíbrio e incoordenação. Portanto, é uma circunstância onde a estrutura nervosa responsável por tais funções encontra-se avariada. Fisiologicamente, o cerebelo (porção posterior do cérebro que repousa, mais ou menos, na região da nuca) tem por atividade desenvolver a marcha, operar movimentos coordenados e manter o equilíbrio. Assim, qualquer distúrbio no órgão propriamente dito ou em suas conexões gerará um quadro de “ataxia”. Sua aparência relembra uma borboleta. A parte média, chamada de vermis, promove a estabilidade postural e o caminhar. Caso esteja avariada ocorrerá desequilíbrio e déficit de marcha. A clinica relembra um individuo bêbado. Pernas bem abertas, o corpo caindo para ambos os lados e a famosa vertigem. Já os hemisférios cerebelares se responsabilizam pela coordenação. Se agredidos, os movimentos não são adequados e pode se observar tremores e dificuldade de fala (disartria).
O exame físico é pilar determinante para definir uma agressão cerebelar e localizar onde essa sucedeu-se no órgão. Os sinais mais frequentes são:
Marcha com base larga ou atáxica
Disdiadococinesia (movimentos rápidos e alternados prejudicados. Teste da supinação-pronoção).
Dismetria (erro para estimar distância com movimentos corporais. Prova index-nariz)
Passar do ponto (término do movimento longe do alvo)
Hipotonia (redução do tônus muscular)
Disartria (pronuncia pouco claro o que relembra o falar de um bêbado com a fala empastada)
Fala escandida (pausa longa entre as palavras)
Tremor cinético (ocorre durante a movimentação voluntária e piora quando se aproxima do alvo)
Tremor postural (persiste depois que o alvo é atingido e é desencadeado quando se pede para esticar o braços suspensos)
Nistagmo (olhar não fixo com movimentos sacádicos dos olhos, podendo ser para baixo/cima ou horizontal)
Portanto, refere-se a uma condição com sinais clínicos peculiares e de fácil reconhecimento. Talvez, o mais difícil seja definir, indubitavelmente, a origem etiológica do quadro. Afinal, diversas condições podem interferir no funcionamento do cerebelo e suas conexões. Entre as mais comuns destaque para:
Hereditárias (Ataxias espino cerebelares -SCA, leucodistrofias e distúrbios mitocondriais)
Vasculares (hemorragias e isquemias cerebelares)
Toxinas (álcool e metais como chumbo, tálio e mercúrio)
Medicamentos (fenitoína, carbamazepina, amiodarona, cisplatina e metotrexato)
Neoplásicas (tumores)
Infecciosas (abscessos, encefalite por HIV)
Auto-imune (esclerose múltipla, ataxia por glúten)
Metabólica (hipotireoidismo, hipoglicemia, deficiência de vitamina B12 e E)
Os exames radiológicos podem orientar o diagnóstico etiológico. Geralmente, a atrofia cerebelar vista na ressonância de encéfalo (RNM) encontra vinculo com condições hereditárias. Assim, nesse contexto, é importante prosseguir com avaliação genética. É de praxe solicitar a análise do número de repetições do CAG dos genes ATXN1 (SCA1), ATXN2 (SCA2), ATXN3 (SCA3 ou Doença de Machado Joseph – mais comum) e CACNA1A (SCA 6). A mesma RNM pode identificar acidentes vasculares cerebrais hemorrágicos e isquêmicos, sendo, assim, um exame importante de ser feito. Análise laboratorial completa engloba outras causas.
A ataxia é muito comum no cotidiano médico. Seu reconhecimento precoce, inclusive de sua nomenclatura, pode revelar com maior brevidade vários diagnósticos e, quiçá, interferir positivamente no prognóstico.
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