Muito se discute quando se depara com um acidente vascular cerebral hemorrágico (AVCh). Operar ou não operar? É uma dúvida para qualquer neurocirurgião frente a uma urgência desse tipo. Aliás, debates acirrados desenvolvem-se tentando se chegar a um denominador comum. Todos possuem certos conceitos estabelecidos com razoável uniformidade desde a formação acadêmica. Leva-se em consideração o volume, a localização e a velocidade da piora neurológica. Os desfechos particulares abastecem a casuística de cada um, mas acaba-se por não se saber efetivamente qual seria o resultado se conduta diferente fosse adotada na chegada do paciente à emergência. A morte seria inevitável? Os déficits poderiam ter sido reduzidos? Apesar das discórdias grande parte dos neurocirurgiões acredita que intervir pode salvar a vida de uma pessoa fadada ao óbito após um devastador sangramento encefálico. Pois bem. Frente a esse impasse resolvi pesquisar o que existe de estudos sobre o assunto, dando preferência, obviamente, para os ensaios clínicos randomizados (ECR). A cirurgia (craniectomia para drenagem de hematoma) é superior ao tratamento conservador em hemorragias cerebrais supratentoriais?
Para iniciar devemos rememorar o longínquo ano de 1961. Nessa data foi concebido o primeiro ensaio que avaliou as terapias cirúrgica e conservadora para AVCh. Esse período foi anterior à tomografia computadorizada, técnica diagnóstica inestimável na atualidade. Talvez, assim, seus resultados tenham sido contaminados por um viés diagnóstico. Apesar das limitações ambos os tratamentos obtiveram desfechos semelhantes. Nenhuma das opções mostrou-se superior. E a dúvida seguia. O que fazer em uma emergência quando a conduta deve ser tomada de imediato? Algum tempo depois mais precisamente no inicio dos anos 90 pequenos estudos foram delineados. Duas pesquisas demonstraram vantagens não significativas para o procedimento cirúrgico e outra destacou modestos benefícios com o tratamento conservador (1, 2, 3). Mais incerteza. Não haveria uma alternativa indubitavelmente vantajosa? Perante a franca necessidade de esclarecer em definitivo a conduta a ser tomada frente a uma devastadora hemorragia intracerebral supratentorial foi forjado o trial STICH (Surgical Trial in Intracerebral Haemorrhage), o maior estudo multicêntrico disponível sobre o tema. Foram randomizados 1.033 pacientes e concluiu-se não haver vantagens significativas quando se realiza procedimento cirúrgico precoce (até 20 horas) ao invés de tratamento conservador (4). O prognóstico será semelhante em ambas as abordagens. Ou seja, ser invasivo em um paciente já debilitado não agregará benefícios ao seu prognóstico. Os dados da fase II do estudo STICH confirmaram os resultados preliminares onde o desfecho do tratamento cirúrgico versus tratamento conservador foi semelhante (5). Portanto, ao avaliar um paciente portador de um catastrófico acidente vascular cerebral hemorrágico supratentorial deve-se frear o ímpeto invasivo de um cirurgião e analisar carinhosamente a possibilidade de indicar terapia conservadora.
O conceituado The Cochrane Database of Systematic Reviews realizou uma meta-análise onde os autores afirmaram existir vantagens ao se realizar cirurgia precoce em AVC hemorrágico. Todavia, os objetivos números não promoveram significância estatística, colocando em cheque os desfechos sugeridos (6). Vale relembrar que as conclusões de um estudo ou de um artigo como esse levam em consideração a opinião pessoal de seus escritores. Já os algarismos não cedem a vontades ou interesses. E esses não revelam vantagens ao se optar por uma craniectomia para drenagem de hematoma. Para ilustrar, um pequeno estudo randomizado sugeriu um melhor prognóstico ao intervir em AVC hemorrágico onde o paciente possui o Glasgow maior ou igual a 8 ou o volume do coágulo seja inferior a 80ml. Coloca padrões mais objetivos o que, em tese, facilitaria a escolha terapêutica. Todavia, refere-se a uma única posição sem respaldo em randomizações maiores (7).
Desse modo, apesar de contrapor os conceitos obtidos pela maioria dos médicos durante a formação neurocirúrgica, os estudos disponíveis definem não haver vantagens em realizar cirurgia precoce (craniectomia para drenagem de hematoma) em um acidente vascular cerebral hemorrágico supratentorial. Optar por terapia conservadora é opção viável e com prognóstico semelhante ao aconselhado procedimento invasivo.
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